domingo, 29 de julho de 2012

79 dias a bordo do Trimaram Avatar

Minha vida sempre foi movimentada graças a Deus! Viajar pelo mar nos últimos sete anos foi uma constante para mim. A última que vou relatar para vocês aconteceu a pouco mais de 04 meses , quando fui contratado para transportar um trimaram de 51 pés de Santo André na Bahia para Angra dos Reis no Estado do Rio de Janeiro. Dia 06 de março de 2012 deixamos a Ribeira Adventure Club aos cuidados do seu Antônio e pegamos um avião para Porto Seguro e daí para Santo André onde nos esperava o Trimaram Avatar. O barco estava ancorado por lá a uns 6 meses quando o seu proprietário o deixou por falta de tempo e condições para navegar. 
O barco ficou aos cuidados de um local mas por motivos que não vem ao caso no momento não o cuidou como devia e quando nós chegamos lá nos deparamos com o motor inundado e sem condições mínimas de uso. Alias o barco todo tinha agua para todos os lados. Seja por vazamentos no casco principal como pela entrada de agua da chuva . Os primeiros dias foram de muito trabalho para mim e minha companheira Concita que também foi contratada para esta empreitada. 

Com o motor sem funcionar já a bastante tempo as baterias morreram e as bombas também deixaram de funcionar. Tivemos que tirar a agua com apenas uma bomba volante e com balde mesmo. Como o mecânico nunca aparecia eu mesmo resolvi colocar a mão na graxa e desmontar o motor para ver se não estava com água salgada dentro. Por sorte depois de muito trabalho constatamos que não estava travado. Trocamos o motor de arranque e o alternador e viramos o motor que por muita sorte virou em 24 volts. Para não me alongar muito na história permanecemos em Santo André entre vários trabalhos e preparativos para zarpar nada mais do que um mês.  As 10 horas da manhã do dia 05 de Abril de 2012 zarpamos finalmente de Santo André para Porto Seguro a apenas 25 milhas de distância para fazer um teste de mar e ver se o Avatar não apresentava mais problemas. Deixei a pequena e apertada barra de Santo André com uma tensão que poucas vezes tive durante os mais de 14 anos em que velejo por conta dos problemas que o barco já havia apresentado no último mês. De carona com a gente veio um marinheiro de primeira viagem que por falta de experiência tomou todas na véspera da viagem e passou a travessia toda agarrado a um balde na popa do Avatar. O primeiro teste de mar foi satisfatório mas mesmo assim ainda permanecemos 05 dias em Porto Seguro providenciando o conserto do motor de popa do dingue e um vazamento de agua no sistema de escapamento. No dia 10 de abril zarpamos de Porto Seguro com destino a Abrolhos. Fizemos as 96 milhas em 26 horas sempre com motor e vela já que o barco estava sem capacidade de somente velejar pois havia sido arrancada o patilhão e a bolina esta emperrada. As vezes que perdemos o motor e permanecemos apenas a vela o barco não conseguia manter o rumo e derivava escandalosamente ao sabor dos ventos. Chegamos em Abrolhos com o alternador pifado e a bomba d´água do motor com um vazamento enorme. No outro dia sem opção de seguir rumo a Vitória decidimos arribar para Caravelas para poder reparar estes dois problemas. Chegamos em Caravelas as 23:38 hs bastante cansados depois de ter que cortar uma rede de pesca durante a noite na chegada . Vários pequenos pesqueiros espalham suas redes por toda a entrada do canal dificultando muito a navegação. No outro dia pela manhã quando seguíamos para o porto principal o motor começou a ferver por causa de um cachimbo de borracha do trocador de calor que havia rompido. Sem solução tivemos que ancorar . Permanecemos por 10 dias em Caravelas a espera de um novo alternador e tentando encontrar um cachimbo para o trocador de calor do motor. Depois de muito procurar conseguimos encontrar um similar em Salvador através de um amigo meu. Velejar no Brasil é sempre uma aventura porque encontrar peças de reposição nestas cidades costeiras é como encontrar uma agulha em um palheiro.

Passados 10 dias em Caravelas, conseguimos zarpar com tudo novamente consertado para Barra do Riacho , um porto 30 milhas antes de Vitória no Espírito Santo. Tínhamos uma previsão de uma frente fria, mas acreditava que poderíamos chegar ao porto antes dela chegar. Já na manhã da nossa saída de Caravelas , ainda dentro do canal o motor parou com sujeira no tanque. Ficamos a deriva   até o vento e a corrente nos jogar para fora do canal onde ancorei para solucionar o problema. Mas aquela travessia iria nos apresentar outras tantas surpresas negativas. Com o tanque sujo fomos obrigados a ter que  sangrar o motor por duras 4 vezes durante o trajeto, sendo que uma delas durante a noite. A cada nova morrida do motor tínhamos que desmontar o pescador, limpar e assoprar . Abrir a tampa do motor, desconectar a mangueira no filtro primário e assoprar até desentupir a mangueira. Depois re-conectar, bombear o diesel manualmente e só então fazer o motor pegar novamente. Sem dizer que cada vez que o motor parava tínhamos que ficar a deriva e após recolocar o barco no rumo e ajustar o piloto automático que ficava  acoplado a cana de leme em cima da cabine de popa. Quando amanheceu o dia eu e minha companheira estávamos exaustos mas o vento noroeste forte puxado pela frente fria que chegava nos fez andar bem.Chegamos a fazer  picos de 7.8 nós. A sete milhas , já enxergando a entrada do porto, o vento rondou para sudoeste mas conseguimos chegar a tranquilidade do porto depois de 32 horas e meia e média de 4,3 nós para as 140 milhas desde Caravelas. Dentro do porto os problemas não terminaram. Desta vez foi o guincho elétrico  que parou de funcionar me forçando a sacar na mão a " Danfort" de 20 quilos mais uns 20 metros de corrente de 10 mm. Ao final decidimos ficar a contra-bordo de uma draga que estava ancorada perto da gente. Com a frente fria não nos restou outra coisa que esperar por melhores condições para navegarmos até Vitória. No segundo dia dentro do porto de Barra do Riacho , o tempo deu uma tregua e com um vento sul fraco deixamos o porto para seguir até Vitória onde chegamos as 17:49 hs do dia 24 de Abril de 2012. Ancoramos em frente a entrada do Iate Clube de Vitória e fomos tomar um merecido banho já que no barco só tomávamos banho de balde ( as bombas pressurizadas do barco não funcionavam).
Ficamos 05 dias em Vitória tentando um estaleiro com capacidade de subir o Avatar com suas 30 toneladas e 8,5 metros de boca, mas ao final o único estaleiro que tinha essa capacidade não tinha vaga tão cedo. Tínhamos feito uma solda de emergência no eixo do leme em Santo André e pelas circustâncias em  que fizeram a solda não ficamos muito seguros de que aguentaria . Mas paciência com a impossibilidade de fazer um conserto melhor zarpamos de Vitória com destino a Marataízes , ainda no Espírito Santo. Lá tem um pequeno quebra mar que protege dos ventos do quadrante leste e nordeste. Queríamos encurtar um pouco a distância até Macaé e também dobrar o Cabo de Santo Tomé com uma condição de mar mais favorável já que o barco não tinha boas condições de navegação. Chegamos a Marataizes a noite mas sem incidentes, mas a ancoragem dentro do pequeno porto era super apertada para um trimaram de 51 pés como o Avatar e durante a noite o vento rondou para sudoeste nos trazendo grandes problemas. O barco mudou perigosamente de posição ficando muito próximo do quebra-mar e suas pedras enormes. Tivemos que as pressas sair dali puxando a ancora na mão para ancorar em outro lugar menos arriscado. No outro dia a outra frente fria chegou e com ela os problemas.
O pequeno porto não abrigava bem deste ventos do quadrante SW e S fazendo com que entrasse uma ondulação de fora. Para piorar tudo ficamos sem a possibilidade de nos movimentar por causa de um problema no motor de arranque que parou de funcionar. Não nos restou outra coisa que soltar mais amarra e rezar para o barco não garrar porque tínhamos pesqueiros por todos os lados. 

No terceiro dia com o mar crescendo ainda mais tivemos que dormir em uma pousada porque no barco era impossível devido o forte balanço .No dia 05 de maio de 2012, depois de 06 dias de fortes emoções e claro muito trabalho deixamos Marataizes rumo a Macaé no estado do Rio de Janeiro. Com uma boa previsão de tempo e um mar calmo dobramos o Cabo de Santo Tomé por dentro para encurtar caminho. Foi emocionante dobrar este temido cabo tão perto de terra e com profundidades baixas até mesmo para um multi-casco .
Na madrugada de 06 de maio de 2012 ancoramos o Avatar em meio aos rebocadores offshore depois de o motor mais uma vez parar com sujeira no tanque. No dia seguinte passamos a manhã e parte da tarde eliminando o tanque principal porque descobrimos uma rachadura nele. Improvisamos um outro tanque com uma bombona de 50 litros, abastecemos de diesel e nos preparamos para zarpar no outro dia. 
Durante a travessia Macaé- Rio de Janeiro enfrentamos um mar um  pouco maior e o piloto automático terminou quebrando. Lá fomos nós revezando na roda de leme até o final da travessia, Chegamos ao Rio de Janeiro depois de uma parada em Cabo Frio somente para dormir. Ancoramos na Urca e no outro dia fomos subir o Cristo Redentor a pé para agradecer e curtir a vista belíssima lá de cima.    No outro dia pela manhã zarpamos para fazer a última perna da travessia. Sem problemas desta vez ancoramos na pequena vila do Abraão na Ilha Grande já a noite para pernoitar e no outro dia pela manhã finalmente fizemos as ultimas milhas até a ilha Cunhambebe Mirim, antiga ilha Mandala em frente a Bracuhy , destino final do Avatar. Pelas 13 horas do dia 12 de  maio de 2012, depois de muitos infortúnios e desafios jogamos ferro em frente a Ilha para  finalmente terminar o delivery mais difícil da minha carreira.

                                                         

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